AMAZÔNIA E SOBERANIA
1.
PONDERAÇÕES
NECESSÁRIAS
O propósito do breve ensaio que segue é de
discorrer sobre a Amazônia em face das mudanças climáticas e do risco de
soberania do país sobre a referida região de florestas.
Implícita
segue a certeza do envolvimento da biodiversidade com toda a sua importância
para o Brasil e o Mundo, agravando mais ainda, a possibilidade do risco – se é
fato a sua existência – na órbita da comunidade internacional das nações,
especialmente, daquelas dispostas a apoiarem um movimento político engendrado e
articulado para a legitimação de uma apropriação ou da “internacionalização”.
O
termo “internacionalização” se nos apresenta como um eufemismo, pois, em nosso
dicionário os sufixos cabentes às várias desinências dos sentidos
“internacionalizar”, não dão essa concepção, para designar essa compreensão de
o estrangeiro invasor.
Assim,
se alguma vontade estiver prevista hoje, ou vier a ser articulada no futuro,
decerto, não é de “internacionalização”, mas de ocupação, como produto de
apropriação ou mesmo da expropriação, sem justa indenização.
Podemos
falar da internacionalização do direito, dos serviços, dos resultados das
pesquisas, e etc. Nossos hábitos e costumes podem ser internacionalizáveis, mas
não o podem parcelas de nosso território. Estas, somente tornam-se passíveis de
escapulir ao nosso controle – ou soberania, se o quiser o Estado, mediante
alguma retribuição julgada boa e eqüitativa, por sua sociedade como um todo –
mediante um processo de apropriação, verificável, geralmente, por meio da coerção
num processo belicoso. Internacionalizar
é termo aplicável à ação do sujeito de direito, nesse caso referente à
Amazônia, somente o Brasil o pode fazer.
Definimos
desse modo, razoavelmente, – acreditamos sinceramente – restar afastado, por
impropriedade lógica, o termo “internacionalização” e, se vamos tratar da
questão do risco envolvido na soberania do país sobre a Amazônia, então, vamos
raciocinar com franqueza e crueldade, tais quais cruezas acham-se com
freqüência, radicadas nos acordos e tratados internacionais, como coisa
subjacente, geralmente “comprada ou adquirida” pelos políticos de plantão e
vendida na pátria amada que o elegeu, como coisa boa e conveniente.
Antes
de avançarmos, convém salientarmos a psicose
manifestada pelos militares sobre a invasão da Amazônia, cuja
advertência tem sido uma forma típica da caserna em todo o processo histórico
em que eles, verdes-oliva, sempre usaram para presumivelmente se lançarem à
frente dos fatos – em alguns momentos da história, inclusive, como pretexto
para o ato de legitimação do mesmo golpe institucional já em andamento – em
fartas épocas desde o fim do Reinado.
No
diapasão da defesa da integridade territorial, pressentem os militares uma
receptividade do povo, cuja massa é fortemente influenciada e dirigida por uma
minoria dominante, na sociedade civil, incluindo o Congresso Nacional, que
lidam com essas questões aos sabores de seus próprios interesses, com alguma
exceçao. Os militares, assim, transmitem
uma idéia de cumprimento estrito de seus deveres em nome da pátria e de seu
povo, como sempre o fizeram, mesmo quando a resultante fora desastrosa
historicamente em desfavor do mesmo povo, como o foi 1964. A um boato de que a Amazônia já aparecia em
livros didáticos das escolas americanas
como “área de preservação internacional, para humanidade”, embora verificado
depois, não passar de um boato, conforme as reportagens de Carlos Vogt[1],
deu causa a um verdadeiro alvoroço. As
manifestações das altas patentes do exército são freqüentes, algumas mais
açodadas como é o caso do ex-comandante do Exercito na Região Amazônica,
general Luiz Gonzaga Schröeder Lessa[2],
obtemperadas outras vezes por vozes como a do coronel Geraldo Cavagnari Filho,
do Núcleo de Estudos Estratégicos da Unicamp, embora admitindo a ameaça
existente para uma internacionalização, “[...]mas não se deve esperar nenhuma
grande ação: é necessário combater o que já existe no varejo.” [aceitando]
“que, de acordo com a análise militar, a probabilidade de uma invasão de outro
país é quase inexistente.[3]”
Em
artigo apresentado no XXVI Encontro Anual da ANPOCS, Andréia Zhouri[4],
do Departamento de Sociologia e Antropologia – Fafich-UFMG, sob o título “O
fantasma da internacionalização da Amazônia revisitado”, concluiu pela
inexistência das causas apontadas e do medo do invasor.
Contudo,
havemos de convir encontrar-se estabelecido legalmente uma forte possibilidade
dessa famigerada “internacionalização”, nesse caso sim, promovida pelo sujeito
de direito – o próprio Brasil – ao promulgar a lei 9.985/2000, instituinte das
“Unidades de Conservação Ambiental”, integrantes do ideário do “Uso
Sustentado”. Objetiva a esta lei a formação de área extensa, “com
características abióticas, bióticas, estéticas ou culturais, especialmente
importantes para a qualidade de vida e o bem-estar das populações humanas”, com
finalidade, ainda, de proteger a diversidade biológica e disciplinar o processo
de ocupação. No artigo 30, da referida
lei restou consignado que "as Unidades de Conservação podem vir a ser
geridas por organizações da sociedade civil de interesse público com objetivos
afins aos da unidade, mediante instrumento a ser firmado com o órgão
responsável por sua gestão", fato este, sem dúvida, autorizativo de uma
transferência de cuidado e zelo de uma vasta área a uma Organização Não
Governamental (ONG) – com essa máscara jurídica, ao menos, nacional ou
estrangeira, – uma função constitucionalmente impossível, até então.[5]
Por
outro lado, ainda, havemos de trazer à tona o fato de que, todos buscam, cada
qual a seu modo, tirar proveito da situação da Amazônia. Os militares com investimentos pesados em
armas e tecnologia da guerra; os empresários madereiros se passam por
protetores das florestas e do território; os laboratórios se prontificam como
gestores dos insumos para a saúde. Os
empresários da educação – apresentados como indisfarçavelmente bem intencionados,
patrióticos e indispensáveis – afirmam ser a educação e principalmente a
especialização em nível de pós-gradução, a condição sine qua non para o
progresso da Amazônia para, então, afastá-la do perigo iminente da
“internacionalização”. Para isto entabulou-se “Uma iniciativa arrojada que associa
todas as Instituições de Ensino Superior da Amazônia em torno da causa.[6]”
Na
instituição de uma escola de estudos
avançados como imaginado para a Amazônia, viceja a vitória de uma burocracia
estatal, pois, antes de uma transamazônica com “um sim” “dentro de uma grande
sala de um não”, como bem o disse a respeito João Cabral de Melo Neto na
ditadura de Médici, deveriam ouvir estas palavras “Estabelecer grupos de
pesquisa em regiões onde prevalece o abismo demográfico é difícil”, pois, “A Ciência é uma atividade social, com
função social. É necessário dialogar, confrontar idéias. Discutir. Conceber
novas propostas. Definir caminhos. Na Amazônia, faltam os pares. Eles estão
longe. Além mar.” Estas, agora
pronunciadas por Adalberto Luís Val, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas
da Amazônia - INPA.[7]
Fanfarrice
como vimos na notícia do dia 7 de fevereiro último, feita pelo presidente da
subseção da OAB-RO, nada mais representa senão um ato exibicionista à custa de
questão tão cara e já polêmica para a Nação.[8]
No
passo seguinte navegaremos por legislações de alguns Estados Nacionais, porém,
vemo-nos forçados a exame de uma questão de fundo para nós bastante nítida,
conquanto bastante estranha e inverossímil para tantos outros, além de polêmica
– e disto sabemos desde logo – mas é lenha a nos aquecer no debate, uma vez
escolhido este caminho um tanto penoso, embora dialético, para extrair verdades
encarniçadas ao longo de dois mil anos de estórias do “bem” e “mal”, correndo
todos os riscos concernentes.
2.
GÊNESE
E UNIVERSALIZAÇÃO DOS DIREITOS
É
por volta do século VIII – II, a.C., no período conhecido como axial,
identificado na História do Homem, o nascimento de uma semente evolutiva
consubstanciada na sua igualdade essencial, momento do nascimento dos
fundamentos da razão calcada num intelecto doravante o fio-condutor para
compreensão da pessoa humana, bem assim, para a clarificação dos direitos
universais a serem cotidianamente afirmados e reafirmados, em nome da sua
imanência prontamente admitida no patrimônio do Homem(Comparato, 2003).
Igualdade
essencial entre todos os homens, nascidos entre os séculos VIII e II, a.C.,
somente dois mil e quinhentos anos depois, veio a ser confirmada numa
Declaração Universal dos Direitos Humanos, ao proclamar “o nascimento livre e
iguais em dignidade e direitos” de todos os homens(Comparato, 2003).
Mas
é em Atenas, na Grécia, onde a lei escrita assentou-se em posição sagrada entre
os judeus, sentido atribuído como criação e expressão da divindade, facilitando
o acatamento de toda a sociedade política, imputação de soberania e de
reconhecimento do cidadão na fruição da sua liberdade como valor maior a ser
assegurado. A lei escrita nasce assim
como um salutar e eficaz remédio para desfavor da prática do
arbítrio(Comparato, 2003).
Por
fim, os direitos humanos havidos como um direito natural e estático, não pôde
resistir ao progresso da biologia quando comprovou a lei da evolução, por um
lado, e, por outro lado, também silenciou os partidários do positivismo
jurídico, fiéis escudeiros e defensores do Estado Nacional, sem o qual – para
eles, positivistas – não pode haver o direito, quando no caso aqui referido,
foram as reflexões da filosofia contemporânea e o fundamento científico da
evolução biológica, eficazes em afirmar a essência histórica da pessoa
humana(Comparato, 2003).
Eis
aí, acima, uma apertadíssima síntese sobre a maioridade do Homem. Na
continuação faremos uma reflexão sobre o direito, os acordos e os tratados
internacionais, cuja validação jurídica interna realizada pelos meios
constitucionais ritualisticamente adequados, bem podem se converter em normas
de validade internacional, podendo representar o processo de movimentos
concatenados com a “vontade das nações hegemônicas”, conducente a um fim não
objetivado e com força suficiente para obrigar a um Estado Nacional a
internacionalizar o seu próprio território, ou parte dele.
3.
DIREITO, ACORDOS E TRATADOS INTERNACIONAIS
É
imprescindível dizer-se desde logo haver nosso Congresso Nacional aprovado e já
se encontrar no corpo de nossa Constituição Federal, a Emenda Constitucional nº
45/2004, acrescentando os parágrafos 3º e 4º ao artigo 5º, para afirmar que “§ 3º Os tratados e
convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada
Casa do Congresso Nacional, em dois turnos,[...]serão equivalentes às emendas
constitucionais.”, e também para assegurar que “§ 4º O Brasil se submete à
jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado
adesão.” Essa vontade já se achava
inscrita no artigo 7º, das disposições constitucionais transitórias, da
Constituição Federal de 1988.
Ora, isto promove um bem-estar do
ponto de vista social, na justa medida da importância atribuída ao ambiente
englobando os vários ecossistemas, mas é fato não poder qualquer tratado ou
acordo internacional, vir a incorporar a Constituição Federal do Brasil.
E aí, como podemos nos defrontar
amanhã ou depois com uma coerção insuperável para aderir a normas do gênero
perante a constelação das nações, no limite de um exercício de futurologia,
interroga-se. Cederia o Brasil e, ai
sim, internacionalizaria parte de seu território?
4. MUTAÇÃO DIALÉTICA DA POLÍTICA E
DOS DIREITOS
Parece-nos dizer tudo o título
emprestado, acima, para expressar o nosso imaginário sobre o Homem e as suas
circunstancias, mas carece as palavras de serem tocadas, empurradas, alinhadas,
dispostas como nuvens nos céus a fornecer imagens, belas ou bizarras, ou como
uma ordenação num tabuleiro de xadrez.
A falsa idéia e supostamente
existente sobre uma ordem, não ultrapassa a suposição, embora ofereça
resistência para ser enxergada a quem da mesma ordem. Diz-se, aqui, de uma
ordem dos seres ditos racionais e, mais, de uma ‘certa ordem’ intelectualmente
concebida pelos ditos seres. Não se
cogita, aqui, da grande ordem planetária, pois, nesta, reina o imponderável. É do Homem que falamos.
Portanto, a ordem suposta está
radicada na alienação geral, como o disse Marx e Engels, ao identificarem a
aquiescência da população a um tema ou questão, sem a presença do autor,
criador, ou ‘inventor’ do referido tema ou questão. Tudo se passava como se o
somatório do inconsciente coletivo fosse o grande articulador. A isso se deu o nome de “circulação”,
significando “[...] o movimento em que a alienação geral aparece como
apropriação geral, e a apropriação geral, como alienação geral.”[9],
dessa maneira, levada a idéia de ‘ordem’ para o limite, se nos apresenta essa
‘ordem’ como a resultante de uma grande ‘desordem’, na qual prevalece o
resultado da correlação de forças, nem sempre opostas, pois, num momento
aparece a “alienação geral como apropriação geral” e noutro desponta a
“apropriação geral como alienação
geral”. Certamente, é por essa razão vista frequentemente ocorrer a mutação dos
sentidos desejados novos, articulando-se num processo dialético, esgrimindo
entre a política e o direito.
Decorre
disso tudo uma percepção de que a carta política de um Estado-nacão e suas leis
vigorarão por um pequeno lapso temporal, pois, uma vez lançada a força para o
movimento da roda, esta tende a não mais se estagnar e, passo seguinte,
salientam-se os acordos, os tratados e convenções internacionais, cuja
instrumentação não foge aos limites e condições compreendidas dentro da
‘circulação’, onde ou se encerra na ‘alienação geral’ ou na ‘apropriação
geral’, postos serem estes os movimentos possíveis.
Assis
Rondônia,
Unicamp,
2008.
[1] http//www.comciencia.br/reportagens/amazônia/amaz2.htm,acess.10.07.08,
10:00 hs
[2] http://jovempan.uol.com.br/jpamnew/destaques/atualidade/amazonia/, acess. 10.07.08,
10:00 hs.
[3]
Ibidem
[5] http://www.comciencia.br/reportagens/amazonia/amaz2.htm,
acess.05.07.08, 10:00 hs
[6] Cf.
Adalberto Luís Val - pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia
(INPA), http://www.comciencia.br/reportagens/amazonia/amaz2.htm,
acess. 05.07.2008, 10:00 hs.
[7]
Cf. Adalberto Luis Val, já citado.
[9] Marx
e Engels, Collected Works, v. 28, p. 131-132; apud, JAMESON, Fredric. O
pós-modernismo e o mercado; In, Um mapa da ideologia; p. 290-291
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