O elã da vida



O elã da vida[1]

      O elã da vida quando perdido, traduz o sentido vívido de que para alguém sobressaiu uma ruptura entre a utilidade da máscara, subsumida esta na arte de representar de seu ator principal. A apropriação da máscara, de certo, por parte do ator principal, teria nessa hipótese, ocorrido durante uma fase de sua vida. Essa ação apropriadora se dera na primeira fase por dois mecanismos possíveis; num vem aquele elã, como mecanismo do berço familiar de vencedores natos; no outro possível mecanismo, é captado pelo ator principal que, embora não tão talhado para o sucesso, irá a duras penas ser apreendido pelo mesmo ator principal. Enquanto no segmento daquele com aprendizado procedente do berço as coisas lhes são facilitadas, para o ator desenvolvido será objeto de uma intensa transpiração aliada com a busca, de um personagem que o sancionará numa nova escala de valores e referenciais incumbidos de transformá-lo no ator principal.

      O elã assim é o brilho nos olhos do ator e seu poder de cooptação do melhor dos sentidos existentes em seus espectadores e ou interlocutores.

      E ainda o elã por certo representa uma figura de linguagem para fazer cena aos olhos dos momentos, já não vívidos, mas vivido em sua quase plenitude, senão plenitude integral.

      E a ausencia do mesmo elã – e aí se apresenta doloroso – pode representar também um abandono voluntário da máscara, que desse modo não seria doloroso, mas pode estar adstrito ou delineada por uma depressão, ou somente uma alienação da “alma”, não possuindo esta qualquer significação religiosa ou supra religiosa. Essa “alma” tem como significado precisamente a personagem esquecida ou dela deserdado o ator principal.

      Como depressão que é mais comum, a perda do elã é imediatamente observada por todos que ficam abismados, aterrados[2], com senso reprovador, mas nada podem fazer; principalmente porque o ator principal desenvolve argumentos ponderáveis e também imponderáveis para justificar a ausência da máscara que lhe servira de ação para as suas conquistas profissionais sobremaneiras. O deprimido em qualquer que seja o grau, tende a repetir o ator principal com o mesmo papel de ao tempo do elã, mas sem perceber ou se dar conta de que, embora seja um ator principal nessa empreitada com depressão, o é, em verdade, já um segundo ator principal e não mais o primeiro ator. Essa doença é grave e carece de cuidados, mesmo quando leve a sua força; em situações mais agudas, demônios são as visitas recebidas e diálogos estabelecidos  com esse ator já secundário. Eis a simplicidade das coisas por dentro, e as dificuldades exteriores a enfrentar o deprimido.

      O bom ator tem a capacidade de “virar o jogo” a todo o momento, mas não lhe é fácil. O nível de consciência intelectual possuído, muitas vezes, pode contribuir para a dificuldade do singelo, se singeleza vem a significar uma qualidade, mas a compreensão do mundo não se apresenta facilitada se a consciência o faz um Lao Tsé Tao Te King, que não representa pecado posto traduzir pensamentos outros de alinhamentos com a natureza em sua forma de quintessência, podendo, contudo, estar, para além dessa quintessência, lastreada a consciência numa vertente socialista do termo, em que o sistema capitalista não contribui para o alívio de sua depressão.

      Tem aí a psicanálise o seu melhor papel a desempenhar, o que se cumpre não somente com a operosidade do psiquiatra, mas também com os recursos da psicologia, vez por outra com a indicação de algum medicamento, neste caso, dado por um membro da psiquiatria.

      Resgatar o elã é, portanto, a missão do ator principal que “perdeu” a personagem na primeira fase da vida. Refundir idéias é preciso, em busca do entusiasmo. “Viver não é preciso[3]”, mesmo.

                                               Assis Rondônia
                                               III – IV – MMXI, Limeira.



[Do fr. élan < fr. médio eslan, 'investida', 'arremetida'; 'ímpeto', < fr. médio (s')eslancer, 'arremessar(-se)', 'lançar-(se)'.]
S. m.
 1.  Arrebatamento súbito e efêmero; impulso.
 2.  Entusiasmo, disposição: Já não trabalha com o elã de antigamente. 
 3.  Inspiração, estro.

[Sin. ger.: elance. Usa-se tb. o fr. élan.]

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VIDAS PARALELAS

Ver Índios, no “Programa Natureza” transmitido pelo SBT em 03 de abril do ano dois mil e onze, que mostra uma sociedade isolada no México.


[1] "E Virgílio para viver necessitou que Augusto o violentasse pela sua generosidade criminosa a profanar o seu estro e a deslustrar o seu nome, comprando pela adulação o pão de cada dia."  (Latino Coelho, Cervantes, p. 154.)[Dic. Aurélio]
[2] "O que mais aterrava o espírito patriótico de Eduardo Prado era o espetáculo da intolerância política que encheu os primeiros anos da República."  (Olavo Bilac, Crítica e Fantasia, p. 416); "Em ronco que aterra, / Berra o sapo-boi"  (Manuel Bandeira, Estrela da Vida Inteira, p. 51). [Dic. Aurélio]
[3] Para a Portugal dos mares, fazia-se necessário navegar. Viver não é preciso e chega a ser perigoso, como bem o diz Riobaldo em Grande Sertão: veredas. Mas navegar é bastante preciso. Viver não tem uma precisão tão matemática ou física.


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