FALÁCIA CONSTITUCIONAL



FALÁCIA CONSTITUCIONAL
Conspurcação  Principiólógica  e  o
Critério da Produtividade


 Texto Completo em FALÁCIA CONSTITUCIONAL


2006




“Não somos europeus nem americanos do norte, mas destituídos de cultura original, nada nos é estrangeiro, pois tudo o é.  A penosa construção de nós mesmos se desenvolve na dialética rarefeita entre o não ser e o ser outro.” [1]


PREFÁCIO

         Como sintetiza a epígrafe que antecede a esse prefácio,  a nossa construção perene se faz  e se desenvolve dentro de uma dialética e do revolver das idéias.
         A propriedade é sabida sem o sentido hodiernamente existente, e ‘a etimologia oferece traços de uma oposição entre um indivíduo ou um objeto específico e o resto do universo de indivíduos e de objetos, como categorias que se excluem reciprocamente’, consoante Norberto Bobbio e outros, no seu Dicionário de Política. 

         Mesmo no Velho Testamento como elemento de informação histórica têm-se notícias dos sentidos da posse de alguma coisa, e mais especificamente, a terra agrária, como se vê no Livro dos Números capítulo 26, versículos 54 e 55, e também em Deuteronômio, capítulo 19, versículo 14, anotando-se ainda que outros povos, hindus e chineses, de algum modo referiram a apropriação da terra agrária possivelmente com a conotação da posse, ou, é certo, sem aquela concepção etimológica assentada acima.

         No ocidente somente no século XI, d. C., no tardio direito bizantino, é que aparecerá uma tendência, não categórica  ao direito da propriedade superficiária, de modo que se apresenta a propriedade como uma criação historicamente recente do homem.

         Com sentido mais carregado politicamente aparece a propriedade no primórdio da Revolução Francesa associada ao sentido de liberdade do homem e em oposição ao absolutismo do rei, configurando-se logo como sede dentro do sistema econômico-liberal que irá se embasar no axioma da autonomia da vontade, liberdade de contratar e na regra do direito das obrigações, embora logo em seguida passe a se metamorfosear, paulatinamente, em favor do coletivo, resistindo bravamente à mutação.
         O liberalismo econômico como corolário da propriedade absoluta começa a perder terreno na Europa já no final do século XIX. 
         Ao cabo da última Grande Guerra passa o Estado do Bem Estar Social  a ser cada vez mais cogitado e idealizado e, dentre esta ordem de idéias, a questão da propriedade agrária.  No Brasil após ensaios de  progressos no segmento  agrário, foi na Constituição Federal de 1988, que definitivamente estabeleceu-se a obrigação da propriedade cumprir uma função social, ainda que se relute na doutrina, no judiciário e na jurisprudência, a enfrentar a ausência da efetividade dos direitos do cidadão, particularmente, no que tange a questão da propriedade.

         Estabeleceu-se como paradigma para proteger a propriedade e negar  a efetividade do direito,  o critério da produtividade, fomentando a dogmática jurídica da proteção à propriedade produtiva, ainda que não gere empregos e benefícios diretos à coletividade, servindo-lhe, ainda, a concepção capitalista do maior lucro com o menor custo, ficando a cargo do Estado o cuidado das mazelas sociais.

         A transformação é lenta e gradual e talvez ainda haja tempo para o homem fitar o crepúsculo da manhã e os olhos de seus companheiros a convidá-los para assumirem o eito da lavoura e colhê-la  cantarolando a canção da esperança e da paz, na perspectiva da vida longa aos jovens e da segurança aos idosos, como se um Grande Arquiteto reinasse no Universo a consentir.



         Um trabalho científico se concilia com a idéia de que tudo se realiza livre de nós, fora de nós, como coisa autônoma que se move na busca dialética da tese e da antítese e da síntese.   Serve-nos a frase de Fernando Pessoa: “A idéia que é minha, é a  idéia que faço dessas idéias.”   

         Fomos mesmos corajosos para afirmar que a grande propriedade  está para o sistema neoliberalista, como o banco está  para o banqueiro, mas sobretudo fomos audaciosos – e não estivemos sós na empreitada, as notas de rodapé abonam isso – em afirmar, categoricamente, de que os banqueiros, os latifundiários, os burocratas incrustados no poder, os tentáculos das multinacionais, mais o silogístico argumento da “globalização”, consumaram um “golpe” na Constituição Federal de 1988,  na medida que arquearam o princípio constitucional que ditou a função social da propriedade – conduzindo tudo para o porto de nada, fazendo letra morta – um  fato institucionalizado por uma Assembléia Nacional Constituinte.  É “golpe”  mesmo e não há meias palavras para dizê-lo.

         Agora,  afirmar que os direitos só nascem quando tem de nascer – como diz Bobbio – e que “...o problema dos fins  não pode ser dissociado do problema dos meios[2], remete-nos a um sem-fim de conjecturas,  fazendo emergir uma nítida crise vivenciada em nosso tempo, sendo por natural,  que “Essa crise dos fundamentos é também um aspecto da crise da filosofia.”[3], então, fica-nos uma questão a solucionar:  será pelo modo do mais forte sempre dada a solução? Podem eles – a partir dessa premissa – deixar sempre ser parido o direito e, logo em seguida, fazê-lo vergar ao interesse da minoria dominante?  Para onde então, caminhamos?

         Quem desejar estudar o direito constitucional, comprometa-se, pelo menos, a pensar honestamente, jure que somente fará uso da ciência como forma honesta de verdade ou que, ao menos, faça-a se apresentar como uma presunção de honestidade, o que se não vê hoje nos compêndios.

                            São Paulo, 31 de janeiro de 2006,

                  

                           Assis  Rondônia











SUMÁRIO
                                                                                                                                                                                                     Página

  1. Introdução.................................................                  02

  1. A propriedade agrária na antiguidade...........             05

     2.1. Na antiguidade oriental.........................              07
    
     2.2. Na antiguidade ocidental......................               09

  1. A propriedade na Idade Média.....................               14

  1. A propriedade pós Revolução Francesa........            21

  1. Liberalismo Econômico..............................                 25

  1. Ocaso da Teoria Personalista.....................                32

  1. A grande propriedade produtiva no Brasil.....             43

  1. Função social da terra ou da propriedade agrária     66

  1. A produtividade como critério de função social......   75

  1. A Constituição e a reforma agrária......              96

  1. Mutabilidade Constitucional da propriedade  105

  1. Considerações finais................................   110

  1. Bibliografia........................................               120


[1] Paulo Emílio Sales Gomes, Cinema: Trajetória no Subdesenvolvimento, São Paulo, Paz e Terra, 1996

[2] BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho; Nova ed.; Rio de Janeiro; Elsevier; 2004; p. 44
[3] Ibidem, idem


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Um comentário:

  1. O texto é resultado do curso de mestrado realizado em 2004-2006, pela Unibam, SP. A pesquisa fora feita tendo por mote a Função Social da Propriedade Rural, debatendo amiúde o critério de produtividade. Mostra também que a propriedade não existia até o ano 1100 d.C. A função social como regra insculpida na nossa CF/1988 sofreu um ludíbrio na hora de medir as forças, cinco anos após, com advento da Lei que a normatizou. Isto fora golpe.

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