RAZÃO INSTRUMENTAL E ALIENAÇÃO
Ao fazermos uso do pensamento de Marilena Chauí para
enlaçar a questão da alienação social – naturalmente, sem a permissão da autora
– deparamo-nos com uma situação entrelaçada pelo mote do pensar só para aí, não nos acharmos de verdade, apesar do risco em
que eu possa vir a incorrer, convido você leitor para debater comigo as duas
idéias – a razão instrumental e a alienação social – sabendo-se desde logo não
haver de minha parte a pretensão de afirmar ou infirmar a idéia discutida. Portanto,
leitor, devendo eu ao final ser absolvido, asseguro-lhe valer a pena a
discussão.
Razão instrumental representa uma ferramenta
utilizada, no mais das vezes, com uma vontade inconsciente, na medida em que razão,
segundo Aurélio Buarque Ferreira de Holanda[1], teria uma das conotações como “Sistema de princípios a priori cuja verdade não depende de experiência.”
Vemos aí, desse modo, uma imposição do principio a priori, que exclui por força
lógica do próprio raciocínio, a necessidade de discussão da verdade, afirmando ainda por final força
não depender de experiência. Transparece dessa maneira o modo como o povo vive,
pensa e sonha. Sonhos evidentemente sofreados, destino insólito de estar vivo e
a padecer pelas distorções semioticamente disfarçadas pela linguagem, pois, vem
a corresponder à “Aquele em que a razão
pela qual um significante corresponde a um determinado significado é evidente,
natural ou causal, a exemplo do que ocorre nos ícones e nos índices.[2]
Convém já explicitar sobre a “A noção de razão
instrumental” no dizer de Chauí[3] “[que] nos permite compreender”
· a transformação
de uma ciência em ideologia e mito social, isto é, em senso comum
cientificista;
· que a ideologia
da ciência não se reduz à transformação de uma teoria cientifica em ideologia,
mas encontra-se na própria ciência, quando esta é concebida como instrumento de dominação, controle e poder
sobre a Natureza e a sociedade;
· que as idéias
de progresso técnico e neutralidade cientifica pertencem ao campo da ideologia cientificista.
Ficou bem assentada a ‘sinuosidade’ do termo
‘ideologia’, e por julgar válido o raciocínio logicamente científico
apresentado, fica-nos uma interrogação. Em que medida funciona a alienação,
quando para Aurélio, representa,
[um] Processo ligado
essencialmente à ação, à consciência e à situação dos homens, e pelo qual se
oculta ou se falsifica essa ligação de modo que apareça o processo (e seus
produtos) como indiferente, independente ou superior aos homens, seus
criadores.[4]
Outro pensador de grande envergadura no mundo do pensar, sobre a alienação disse,
Segundo
Hegel (v. hegelianismo), processo essencial à consciência e pelo qual ao
observador ingênuo o mundo parece constituído de coisas independentes umas das
outras, e indiferentes à consciência -- independência e indiferença serão
negadas pelo conhecimento filosófico.[5]
Outro pensador em continuação dos debates florescidos em
Frankfurt, e floridos em outras sedes de
culturas, foi além, dizendo,
Segundo Marx (v. marxismo), situação resultante
dos fatores materiais dominantes da sociedade, e por ele caracterizada
sobretudo no sistema capitalista, em que o trabalho do homem se processa de
modo que produza coisas que imediatamente são separadas dos interesses e do
alcance de quem as produziu, para se transformarem, indistintamente, em
mercadorias[6].
O leitor pode ficar impaciente, e não é para menos
mesmo. Ora se lermos “A Sociedade do Espetáculo[7]” e se lermos ainda Chomsky ao comentar da utilização
da propaganda em seus primórdios, 1910, já disse,
É interessante remontar à década de 1920, quando a
indústria de relações públicas realmente começou. [...] Mas os peritos no
controle do pensamento em breve perceberam que era possível conseguir não
apenas o chamado ‘controle no trabalho’, mas também ‘controle fora do
trabalho’. O controle fora do trabalho significa transformar as pessoas em
autômatos em todos os aspectos de suas vidas, induzindo uma ‘filosofia da
futilidade’ que as orienta para ‘as coisas superficiais da vida, como o consumo
de moda’. As pessoas que dirigem o sistema devem fazê-lo sem qualquer
interferência da massa da população, que nada tem a fazer na arena pública.
Dessa idéia surgiram enormes indústrias, desde a publicidade até as
universidades, todas conscientemente dedicadas à convicção de que é preciso
controlar as atitudes e opiniões, porque de outra forma o povo será muito
perigoso.[8]
Para Marcuse[9],
“Quando a verdade não é realizável dentro da ordem social existente, ela
simplesmente assume para esta o caráter de utopia [...], e que esta “[...] transcendência
não depõe contra, mas a favor da verdade.”, pois,
O componente utópico da filosofia foi, durante
muito tempo, o único fator progressista, como a constituição do melhor Estado,
do prazer mais intenso, da perfeita felicidade, da paz eterna. [...] Na teoria
critica, a obstinação há de ser mantida como uma qualidade genuína do
pensamento filosófico.[10]
No cotejar
da cognição, a “perpétua ruptura” acolhe o discurso elaborado pela professora
Leila da Costa Ferreira[11], quando ajunta,
No
que diz respeito às alternativas políticas, o princípio único do mercado
confina o Estado e deslegitima as formas de sociabilidade. Mas este movimento ao mesmo tempo oculta
outras sociabilidades, práticas e culturas que a modernidade marginalizou,
revelando-as, ao mesmo tempo, como espaços politizados. São os espaços domésticos, os da produção,
o da cidadania, o espaço mundial, cada um deles construindo um feixe de
relações sociais que, conectando-se em suas várias interfaces pela ação
política, rompem com seu lugar amorfo e meramente interativo que o campo
político institucional lhes havia designado.[12]
Podemos concluir, por força da razão sonhada e
imaginada para o longo horizonte da sociedade, a quantas incertezas ainda estão
no por vir, que lástima seja a vida
assim, com esse modo esconso de caminhar, e de quão longe estamos. Dureza para
quem pensa, ou pensa que pensa. A única certeza mesmo é a existência da
alienação instalada como “chip” de máquina no cérebro de eleitor dos salafrários em sua maioria. Então como é que se muda essa bosta?
Nas academias menores são contratados professores
adeptos da linguagem instrumental, preferidos que os são, por seus cargos de
juiz, promotor, delegado de polícia, e até mesmo advogado que goze de pose na
praça, porque é rico ou porque possui carrão e mansão, ou porque, quando na
área criminal, realiza façanhas que o diabo duvida. Mas vão utilizar a
linguagem instrumental, até porque, também não lhes restam muitas ferramentas
para esclarecerem as idéias, quando as possuem.
Como vamos sair desse buraco se somente as
universidades públicas conseguem clientela (alunado) melhor em função de suas
exigências nas provas vestibulares? Nas
universidades particulares, dada a guerra concorrencial que se estabeleceu por
força dos negócios escusos praticados na seara política, não há como a
universidade impor condições de captação de alunos muito mais preparados nos
colégios do Estado, incluindo-se alguns particulares também.
De que modo poderíamos dominar a ordem dos raciocínios
diversos, mídia, razão instrumental, alienação, para então implantarmos o
paraíso na Terra? É esta uma tarefa que
está para o homem realizar, ou fatores inerentes poderão apressá-los. Se não forem por fatores inerentes, poderia
então ser por uma hecatombe?
Ou seria factível produzirmos uma raça pura(no DNA)
para exercer a política e, com os benefícios dos impostos coletivos justamente
recolhidos, que sejam capazes de, compreendendo toda aquela gama de raciocínios
e que desejem de verdade, transformarem a sociedade, a começar pelos
esclarecimentos dados nas escolas, nas igrejas, nas paróquias, nas sociedades
amigos de bairro, enfim, dito de uma forma como alma pura na praça pública, com
o mesmo prazer e jactância como já o fizeram os guerrilheiros quando venceram
suas guerras de conquistas, fazendo instalar uma nova ordem, embora trazendo estas, também, sua ordem interna de
subsistência no poder, gerando a nova “práxis”.
A merda não muda mesmo!
O que fazer? Lenine outrora fez esta pergunta.
No entanto, se a alienação nos aborrece, a força
subliminar da mídia nos escraviza, mas a linguagem instrumental nos
insulta. E o pior é que muitas vezes os
referidos e nefastos atores ‘roubam’ os lugares dos que pensam que pensam.
Vamos combinar de não colocarmos deus nessa meleca
toda, senão a bosta vai feder muito mais, concorda?
Assis Rondônia[13]
Limeira, VIII – II – MMXII
[1] Aurélio Eletrônico. Século XXI, 1999, Lexikon Infirmárica Ltda.
[2] Aurélio; op. cit.
[3] CHAUI, Marilena. Convite à filosofia, Ed. Ática, 7ª
edição, PP 283-284
[4] Aurélio; op. cit.
[5] Ib.
[6] Aurélio. Op. cit.
[7] “O espetáculo é o herdeiro
de toda a fraqueza do projeto filosófico
ocidental, que foi uma compreensão da atividade dominada pelas categorias do ver; assim como se baseia no
incessante alargamento da racionalidade técnica precisa, proveniente deste
pensamento. Ele não realiza a filosofia, ele filosofa a realidade. É a vida
concreta de todos que se degradou em universo especulativo.” In, A
Sociedade do Espetáculo. Guy Debord (1931-1994). Tradução em
português: www.terravista.pt/IlhadoMel/1540. 2003.
[8] CHOMSKY,
Noan. Novos
Horizontes no estudo da linguagem e da
mente; São Paulo; Editora UNESP; 2006; P. 27-28, apud,
Almeida Jr. Antonio Ribeiro de; e Andrade, Thalles Novaes de. In, Publicidade e
Ambiente: alguns contornos; Revista Ambiente e Sociedade; São Paulo; Annablume;
v. X, nº 1, jan/jun.2007; p. 107-120
[9]
BENHABIB, Seyla. A crítica da razão
instrumental. In, Um mapa da ideologia. Theodor W. Adorno[et. al.]; Org. Slavoj
Zizek; trad. Vera Ribeiro; Rio de Janeiro: Contraponto, 1996, p. 71
[10] Ib.
[11] FERREIRA, Leila da Costa. A
questão ambiental – sustentabilidade e políticas públicas. Boitempo Editorial,
São Paulo, 1998 .
[12] FERREIRA,
Leila da Costa. Idéias para uma sociologia da questão ambiental no Brasil. São
Paulo, Annalubre, 2006 (grifos nossos)
[13] Advogado militante em
Limeira, Capital e Grande ABC, Mestre em direito, Especialista em direito
ambiental. Aluno Especial do doutorado da UNICAMP. Email: assisrondonia@ig.com.br
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